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ÓRBITAS - FLORIAN RAISS E PAULO VON POSER
PAULO KASSAB
2013
Na exposição Órbitas, os artistas dialogam em uma superfície sem começo nem fim, intensificando a percepção da imagem no espaço e permitindo a análise por parte do espectador.
Condição imperativa para a afirmação da órbita, a influência de um astro, ou objeto, sobre o outro foi empregada de modo sutil. Florian e Paulo pensaram em 17 esferas pois, pela forma, elas fazem com que o observador nunca consiga ver dois lados simultaneamente, ou seja, apenas uma parte da verdade é revelada, enquanto a outra se forma pela imaginação daquele que vê a obra e recria de acordo com sua realidade.
Assim voltamos aos assuntos estudados pelos dois artistas durante mais de 30 anos: o homem como autor e revelador de sua própria condição e do seu entorno. A imaginação não como um estado, mas como a própria existência humana, como definiu William Blake.
PAULO VON POSER - O NAMORADO DA CIDADE
CELSO FIORAVANTE
2011
A felicidade anda a pé
Na Praça Antônio Prado
São 10 horas azuis
O café vai alto como a manhã de arranha-céus
(Poema “Aperitivo”, de Oswald de Andrade)
O café vai alto como a manhã de arranha-céus
(Poema “Aperitivo”, de Oswald de Andrade)A distância realmente não é aliada do amor, mas essa afirmação perde um pouco de sua força quando o exemplo dado é a relação que existe entre Paulo von Poser e o centro da cidade de São Paulo.
Nascido e criado
Ao chegar lá, qual um super-herói apaixonado, seu passo seguinte é escalar seus edifícios, alcançar suas sacadas, chegar ao topo e, enfim, retratar o seu amor em todos os seus ângulos. São 360° de admiração.
Dali do alto, Paulo vê mais longe, consegue admirar o corpo inteiro da cidade, sentir sua pulsação, observar office-boys e executivos anônimos, que passam apressados e que pouco reparam em sua beleza. A metrópole volta a ser província.
Do alto, Paulo percebe que sua amada envelhece com dignidade e a beija furtivamente. Mas são encontros fugazes, que duram a luz do Sol e o expediente das repartições. Paulo precisa descer.
Daqueles momentos restarão desenhos, nos quais Paulo declara sua paixão ao Vale do Anhangabaú, ao Teatro Municipal, ao Viaduto do Chá, ao Largo São Francisco, à Praça do Patriarca, à Rua 15 de Novembro, ao edifício Copan…
Amor de infância
O itinerário amoroso de Paulo von Poser pelo centro da cidade começou ainda na infância, nos anos 60, e pelas mãos dos pais, dona Zélia e seu Fernando, com quem vinha para as compras aos sábados. “Morávamos
Mas para demonstrar o seu amor pela cidade Paulo foi ainda mais alto e voou pelos céus a bordo do dirigível Ventura, que até recentemente, antes da Lei Cidade Limpa, fazia publicidade da Good Year pelos céus da cidade. Dali do alto, Paulo e a fotógrafa Cristina Guerra registraram a mais ampla de todas as paisagens urbanas: a cidade de São Paulo.
São essas suas memórias e as memórias de outros que Paulo atualiza em seus desenhos e fotografias. Com seus traços expressivos, rápidos, afoitos e imprecisos, o artista refaz suas lembranças, desenha uma iconografia poética da cidade e tenta abrir os olhos dos transeuntes para a dura beleza de suas esquinas.
Amor de juventude
A paixão pelo desenho nasceu em 1978, quando Paulo von Poser ingressou na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). “Foi na FAU que o gesto de desenhar apareceu… Foi na FAU que aprendi a ter amigos”, afirma o artista, que ali se formou arquiteto, em 1982.
Entre seus mestres desses tempos primeiros, Paulo cita com carinho Flávio Motta, que não chegou a ser seu professor formal, “mas deu aulas de mestre e shows de estética que jamais esquecerei”. Relembra ainda Renina Katz e Odiléa Toscano, no desenho e na gravura, e Ana Maria Belluzzo, por lhe fazer ver as relações entre a arte e a vida urbana.
Outra lembrança marcante foi seu encontro com o professor, mestre e colega Flávio Império, pois foi com o artista plástico e cenógrafo que ele começou a lecionar.
Assim como seu amor pela cidade, o amor de Paulo pelo desenho não ficou guardado, mas sempre foi dividido com dezenas, centenas, milhares de estudantes que encontrou em instituições como o Centro Cultural São Paulo (na oficina de artes plásticas), o setor educativo da Bienal de São Paulo (18ª e 19ª edição, em 1985 e 1987, curadas por Sheila Leirner), a própria FAU-USP (quando fazia mestrado), a Faculdade de Arquitetura da Belas Artes (então localizada no prédio da Pinacoteca do Estado), na FAAP (em um curso de projeto gráfico), na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos (sua cidade por adoção, na qual leciona há 25 anos e onde pintou os tetos do foyer e da platéia do Theatro Guarany) e, mais recentemente, na Escola da Cidade e na Casa do Saber.
Amor maduro
Mas eis que, aos 50 anos, com o coração já marcado por tantos amores idos e vindos, pretéritos e futuros, eis que chega uma nova descoberta, um novo presente, um novo resgate: a gravura. Ela mesma, que já havia flertado com o artista, retorna revigorada, repleta de novas perspectivas e entusiasmo.
Incentivado e instruído pelo gravador Claudio Vasques, de Santos, mergulha nas chapas de cobre e nelas revela novas imagens de suas velhas conhecidas, a cidade e as rosas, a partir de técnicas e materiais variados, como ponta seca, água-forte, mezza-tinta, carborundum…
“Vou gravar com minha sobrinha Vic um vídeo sobre o meu pequeno ‘roteiro do cobre’. Comprei duas chapas na Casa da Bóia e fui até a Praça Antonio Prado, onde gravei com ponta seca a árvore da praça, o grande edifício e depois o pico do Jaraguá… Também irei de ônibus para Santos e vou continuar gravando na mesma chapa a Serra do Mar e depois, no vídeo, os processos do metal no ácido, na tinta e na prensa… Depois a chapa volta com a cópia no papel… Quero fazer um pequeno documentário que comente o que a gravura no metal me acrescentou na percepção da cidade”, diz Paulo sobre seus novos caminhos na gravura.
Amor eterno
A cidade de São Paulo, o desenho e a gravura dividem o espaço no coração e no imaginário de Paulo von Poser com outra paixão, igualmente duradoura: as rosas. Para elas, Paulo já fez milhares de desenhos, fotografias e gravuras e a elas dedicou algumas exposições individuais.
As primeiras lembranças da flor remetem à infância com a avó materna, Edith, que pintava rosas, mas seu interesse pela flor manifestou-se bem mais tarde. “A primeira rosa que desenhei foi em 84, aos 24 anos.”
Paulo começou a desenhar rosas porque morava sozinho
De lá para cá, Paulo as reproduziu com lápis, acrílica, giz, pastel seco, nanquim, madeira recortada, ferro forjado, cerâmica, bronze e cobre e as fixou em papel, telas, tecidos, louças, panos de prato, camisetas, sandálias Havaianas e embalagens de sabonete.
“Mas tenho que lembrar uma verdade: de repente surgiram juntas duas coisas: a rosa e a cidade de São Paulo. Uma união de opostos aí contida, o cimento e a pétala, o concreto e a poesia. Mas o que vem mesmo à cabeça, sinceramente, é o dia em que nasci. Foi esquisito. Fui o primeiro neto paulista de uma família gaúcha. Acho que esse é o nascimento da rosa
Ao olhar imediato, os trabalhos de Florian Raiss e Paulo von Poser podem revelar-se opostos. As limitações e os conflitos do homem contra o amor imaculado das rosas ou as formas bem definidas da cidade. No entanto, após uma observação mais profunda, nota-se uma intensa complementaridade assinalada pela pesquisa do ser humano em suas subversões pelas representações que retratam seus anseios. Na resistência racional do ser aos impulsos animais, a humanidade se expressa através dos seus símbolos, suas metáforas.
Na exposição Órbitas, os artistas dialogam em uma superfície sem começo nem fim, intensificando a percepção da imagem no espaço e permitindo a análise por parte do espectador.
Condição imperativa para a afirmação da órbita, a influência de um astro, ou objeto, sobre o outro foi empregada de modo sutil. Florian e Paulo pensaram em 17 esferas pois, pela forma, elas fazem com que o observador nunca consiga ver dois lados simultaneamente, ou seja, apenas uma parte da verdade é revelada, enquanto a outra se forma pela imaginação daquele que vê a obra e recria de acordo com sua realidade.
Assim voltamos aos assuntos estudados pelos dois artistas durante mais de 30 anos: o homem como autor e revelador de sua própria condição e do seu entorno. A imaginação não como um estado, mas como a própria existência humana, como definiu William Blake.
PAULO VON POSER, UM MESTRE DO GUARANY
FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
2008
O Guarany, inaugurado em 7 de Dezembro de 1882, era dum aconchego civilizatório raro numa cidade alagadiça e com tudo por se fazer, à custa do suor escravo e da vinda dos imigrantes que reporiam a labuta dos cativos libertos.
Benedicto Calixto ganhou notoriedade com seus afrescos e suntuosa decoração. Desde a construção até seu ressurgimento das cinzas, o Guarany teve como sustentáculo a sociedade civil como mantenedora e impeditiva de sua extinção. Reerguido, senti imensa felicidade em saber que a História repunha seu traço em nosso destino; o trabalho de Calixto agora estava nas mãos preciosas dum dos mais originais artistas plásticos brasileiros: Paulo von Poser, arquiteto sensibilíssimo, restaurador meticuloso e mais característico pintor dum país chamado Sampa. Von Poser refaz em nanquim grandes telas ou desenhos meticulosos da metrópole o percurso de Rugendas ou Franz Post transmoderno.
“Não há nada mais difícil para um pintor do que pintar uma rosa, pois antes ele precisa esquecer de todas as rosas que foram plantadas”, diz Matisse. Poderiam estar no cultivador de rosas cósmicas: Von Poser.
No Guarany, sem ser hiperbólico, suas noites passadas por sobre andaimes são dignas dum Michelangelo dos trópicos. Presente em bienais, cenógrafo, agitador multimídia, é capaz de esquadrinhar pictoricamente a metrópole a partir dum dirigível pelos ares da Paulicéia com a mesma pericia milimetricamente encantada com que desabrocha rosas sinestésicas: mais do que o pintor das rosas e de Sampa, é explorador da alma através de rara perspectiva, têmpera e “rumor” urbano das cores.
Na sua obra, Paulo von Poser faz a colheita das evanescências, semeia a infinitude a partir da fugacidade: é o pintor dum tempo dilacerado em pétalas, não acumulador de destroços: um criador profundo do belo como operário “de estruturas visceralmente regulares” (Levi-Strauss).
Santistas! Quando vislumbrarem a abóboda e as paredes dum detalhismo microscópico sob a égide de Carlos Gomes e José de Alencar, tenham a dimensão do esforço empreendido por esse artesão da poesia em concretude: a arte imorredoura talhada cromaticamente na Praça dos Andradas nos fará dizer: um gênio passou por aqui…Paulo von Poser foi presente do Brasil para Santos.
Calixto deve estar dizendo amém.
ARTISTA DAS ROSAS E DA MULTIDÃO: VON POSER
FLÁVIO AMOREIRA
2008
É essa Sampa de Von Poser: ângulo preciosíssimo, fugaz mirada dum dirigível ou suíte impessoal dum hotel de luxo. A causa pelo efeito, o conteúdo pelo continente (enfatizo) o objeto disposto pelo material de que é feito:
o instantâneo retido é metáfora de nosso desnorteio.
Impossível não citar Walter Benjamim sobre a obra de arte: “(…) a natureza de que fala à câmara é completamente diversa da que fala aos olhos , mormente porque ela substitui o espaço onde o homem age conscientemente por um outro onde sua ação é inconsciente” .
Imerso / emerso, cinético: faz-me lembrar todos ‘perfis’ que retenho de Sampa; o último impacto foi nesga do Copan a partir dum terraço do “Centro Maria Antônia”: se a grande arte nacional é experimentada em Sampa, Von Poser é um dos seus mais intuitivos desbravadores. Muito além do pintor das rosas! Agora é um Benedito Calixto reconstruindo o “Teatro Guarany” de Santos com quase 150 anos de carga anímica meticulosamente retocada por esse arquiteto que leciona nas ruas onde a concretude poética é noite/dia edificada e transmutada.
Penso em Paulo quando leio “Cidades Invisíveis” de Ítalo Calvino e numa frase de Matisse que pressentia esse paulistano universal doce feito a densidade de sua obra: “Não há nada mais difícil para um pintor do que pintar uma rosa, pois antes disso ele precisa esquecer-ser de todas as rosas que já foram pintadas.” Não existe Arte, existem artistas: delineadores de tessituras que ruminam a persistência do desvio e a tenacidade dalguma percepção durável: artista é encantador de evanescências: uma rosa já não é uma rosa desde que Gertrude Stein dito ou Paulo Von Poser magicamente mimetizado. Rosa e caos urbano ainda retêm cosmogonias e a gênese do sujeito enquanto testemunha absurdamente disponível ao absoluto divino:desconheço algo mais frágil que monumentalidade de Sampa: imensidão que se engalfinha pelos cinzentos escaninhos dalgum propósito cotidiano e seu descomeço.
Em Sampa nada finda feito o pensado no recomeço. Cidade se descabaçando feito pétala.
Grande Paulo Von Poser!
A ROSA E A FANTASIA DE VON POSER
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
2003
A ROSA DE SHAKESPEARE E A DE DANTE
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
2003
OS HORIZONTES DE PAULO VON POSER
ANTÔNIO GONÇALVES FILHO
2001
Como Morandi, von Poser nega-se a recorrer ao “conhecido” em sua experiência de ver o mundo. Em outras palavras, ele não tem o olhar ingênuo dos pintores viajantes. Procura na paisagem algo que não está lá. è capaz de alterar deliberadamente a paisagem do Arpoador para construir uma nova natureza, regenerar o que vê.
Não por outra razão, von Poser ficou conhecido por pintar e recortar rosas gigantescas que, como se sabe, constituem signos de regeneração ambiental. Nesta exposição, o passar a paisagem degradada através de suas pétalas. Von Poser é um otimista: está certo que a rosa alquímica está presente simbolicamente nos centros urbanos. São Paulo vai nascer a partir de seu marco zero, garante.
Professor de arquitetura desde 1985, o artista dá aulas na rua. desenhos de observação. Como a verticalizada São Paulo não têm horizonte, foi a mais prejudicada nesta exposição, que reúne desenhos de diversos períodos, sendo o mais antigo uma paisagem de Brasília, feita em 1985. Von Poser levou seus materiais para o Jardim Botânico carioca, para o Arpoador, para Ilha Bela e Bahia. Em todos esses lugares teve a companhia de populares, que comentavam e criticavam seus desenhos. A cor era chocante? “A cor não está na paisagem, mas em quem a vê”, observou. Nem Goethe ousou ir tão longe em sua teoria das cores.
Von Poser tentou experiências monocromáticas com a natureza, o que chocou outros observadores. Essa ausência de cor nos desenhos em carvão e grafite parece escandalosa para um país tropical. Mas a sua é uma paisagem “cultural”, captada por um olho treinado, capaz de juntar artificialmente o Redentor com o Morro dos Dois Irmãos, como numa paisagem circular chinesa ou numa montagem de Polaroid feita pelo inglês David Hockney (uma influência admitida de von Poser). A chave para essa horizontalidade é fenomenológica. Ele assume o “anacronismo” da paisagem como uma tentativa de entender o mundo de outra forma, comparando fotografia e desenho, observação natural e entendimento intelectual das formas da natureza.
“É preciso recuperar o desenho, pois ele tem um efeito no cérebro ainda não totalmente considerado”, diz von Poser, justificando a representação figurativa da paisagem como uma tentativa de buscar “civilidade” nos lugares públicos pelos quais passa com sua arte. É comparando o que se vê e o que está sendo reproduzido no papel que os outros cidadãos acrescentam algo à visão do artista. E refletem sobre o estar no muno e sua relação com o ambiente. Esta é a grande questão desta mostra.
O ESPINHO DA ROSA
RADHA ABBRAMO
1999
Tocado, profundamente pela imagem do Rio de Janeiro, o artista chega a chamar de rosas, as imensas pedras que brotam dessa “Cidade Jardim”, como diz ele, terminando por capitular diante do Jardim Botânico, um roseiral público.
Ele persegue a rota da natureza, descortinando as obras: “Rosas na Mata” grande tela de pintura, “O Redentor do Roseiral”, aquarela, “Lua Cheia na Lagoa”, desenho/nanquim, “O Pão de Açúcar”, desenho de bico de pena, transmutando todas essas vistas em cores, traços, objetos decorativos, (pratos) e mais, faz das rosas, esculturas.
A sua moda von Poser torna-se um artista viajante, diferente de Rugendas, Florense e Taunay e tantos outros, interessados na nas expedições científicas. Von Poser, ao contrário de seus antecessores, está em plena expedição poética da rosa. Coloca-a, única e altaneira na paisagem “Rosas na Mata” ou, molda-as em vasos cerâmicos e as modula recortadas, desmembradas, rearticuláveis, coloridas, transformadas em esculturas móveis, donas de múltiplas performances.
Até aqui tratamos da rosa, bela flor que reúne sete pétalas entranhadas umas nas outras criando um corpo doce, aveludado e misterioso. Ela tem uma história comum, nasce em qualquer terra e brota espinhos para machucar os distraídos, principalmente, os que fazem pouco do seu papel daninho e traiçoeiro.
Viajando sobre a rosa que têm presença muito forte, embora de aparência delicada, von Poser apossa-se das formas dos seus espinhos que partem dos caules, amplia-os, dando-lhes o volume e colorido diversificado, assemelhando-os aos unicórnios, sem ponta, surdos, muitos deles tendo o desenho de uma rosa, pintado no seu interior.
O espinho exorcizado adquire uma nova forma a suas pontas afunilam-se em direções diferentes e divergentes. Dispostos, conjuntamente, em uma mesma superfície, os unicórnios montam um painel construtivo de grande vibração cromática adquirindo suave movimentação quando o olhar os percorre com velocidade moderada.
Da expedição poética sobre a rosa resultou, em resumo, que von Poser, ao exorcizar os espinhos, transformando-os em unicórnios, acerca-se, agora ele próprio, de nova vertente para sua criação artística, abrindo-lhe um vasto campo de pesquisa formal, orgânica e que parte do desenvolvimento das formas da natureza.
Da nova fase da produção artística de von Poser, até se poderia pensar que -“se a rosa morre, vivam os unicórnios”- frutos da expedição poética do artista, assenhorando-se das formas construtivas e sob performance visual da Optical-Art.
Afinal, os espinhos das rosas fazem parte delas.
São Paulo, 6.10.99
CELSO FIORAVANTE 1996 RENINA KATZ 1989VON POSER COLOCA ROSAS NO CAMINHO
Levando em conta a máxima absoluta de Stein, que diz que “uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”, Paulo fez crescer esse seu jardim, em acrílico e nanquim.
São desenhos, telas, transparências, recortes em madeira e até vitrais e cerâmicas retratando a mais emblemática das flores: a rosa.
“Sempre fico surpreso com a carga simbólica da rosa, que pode significar o coração de Maria no catolicismo, ser o símbolo da regeneração na cultura muçulmana e também ser oferecida a Iemanjá, disse o artista e ilustrador da Folha.
A história da mostra:
Até o ano de 1988, as rosas apareciam esparsas no trabalho do artista. Naquele ano, Paulo realizou uma série de desenhos que serviu para o calendário do Museu de Arte Contemporânea.
No ano passado, porém, fez uma série de desenhos transparentes com bico de pena em papel pergaminho, que se tornaram o primeiro galho da roseira-exposição.
Apesar de o método de trabalho de uma exposição como “Mar de Rosas” ser basicamente a observação, Paulo se recusa a falar em reprodução. “O perigo de uma mostra assim é cair na estilização, quando eu bem sei que a rosa quer estar presente. existem muitas rosas da minha cabeça, que fiz vendo ou imaginando pessoas”, disse.
Paulo comprou suas rosas-modelos no Ceasa, às setas-feiras, fotografou-as, fez Xerox delas, dezenas, centenas… Paulo trabalhou muito no inverno, quando as rosas demoram mais para abrir.
Foi também desta minuciosa observação que se originaram as cerâmicas presentes na mostra, realizadas em parceria com Cecília Becker. Ao perceber a queda de uma pétala em seu repouso no chão, Paulo pensou nas cerâmicas, criadas a partir do próprio repouso de uma folha plana de argila sobre uma forma, sem necessitar da pressão de mãos e dedos. Apenas o repouso natural da lâmina de argila deu forma à cerâmica.
“Esta mostra exigiu muito minha disciplina de observação. Com ela, percebi o que significa realmente a contemplação da arte na minha vida”, disse. “durante esses oito anos, ficou claro que me interessava era estar com a rosa. E a sequência de desenhos (expostos à direita no Espaço Ox) me deixou claro que a beleza não está nas rosas, mas em sua forma.”
Detalhes:
Alguns detalhes merecem atenção à parte em “Mar de Rosas”. O primeiro são os convites. Confeccionados a partir de 200 desenhos originais e manipulados em uma máquina de Xerox colorido, transformaram em 3.000 convites, todos diferentes. Guarde o seu!
Também é interessante notar q harmonia que a exposição ganhou com a inclusão de vitrais e cerâmicas. Com eles, a mostra completou um ciclo que se confunde com o próprio ciclo vital da rosa.
Mais que os desenhos e pinturas, são as rosas-vitrais de Paulo que precisam de luz para existir e que só vivem através dela. No outro extremo, suas rosas-cerâmicas nasceram da terra e apenas graças a atração da Terra. Cerâmicas, desenhos e vitrais se completam, como as três partes de um ikebana.
JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, CADERNO ILUSTRADA, 27 DE MAIO DE 1996.APRESENTAÇÃO DO CALENDÁRIO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Paulo von Poser, com sua maestria gráfica e nutrido de um empenho apaixonado, procurou perceber e compreender o design e a poética da rosa, evitando a dissecação em favor da descoberta e da revelação. Paulo confirma que não existem temas banais desde que se consiga extrair deles uma nova visão de mundo.
O PAULO
FLÁVIO IMPÉRIO
1985
quando andou a pé,
pela primeira vez,
morando fora da represa…
descobriu,
que o mundo da cidade-gigante
tem mil caras
quase nenhum rosto
essa foi sua surpresa expressa.
sem nenhuma calma,
às pressas.
como quem passa e deixa uma profunda impressão.
o resto ou se esquece ou nem se vê.
“as gentes se perdem nas multidões”
mas,
alguns a gente acha,
e perde em seguida.
o passo não é o compasso
do coração.
o passo
é
compasso
da multidão.
o coração agitado,
a mente quente
já sem estômago e sem fome,
engole
não come.
mergulha na solidão.
desse clima emerge o traço.
traço forte e definitivo ou quase.
tudo pronto a ser feito.
pouco refeito.
quase nada.
rápida, a mente age
e
a
mão.
…e o sono, enfim,
te vence pelo cansaço…
… amanhã, de novo, um novo,
desencontro.
ou mil.
sempre mesmo que tudo só aconteça no sutil
plano
da
mais
pura
imagem na ação.
engrenagem do estar
sendo e vivendo essas sensações
cada grafia é quase uma carta-bilhete-cartão.
um endereço secreto
nem dito.
e, tudo bem, fica o dito pelo nem sabido.
sonho acordado de cidadão a pé por Pinheiros, nas tardes calmas,
ruas agitadas, muita compra e venda, muita liquidação.
tempos de crise.
todos
são.