TEXTOS
A ROSA DOENTE
WAGNER NARDY
2020
A Rosa Doente
Ó rosa, estás doente!
O verme que se aventa
Invisível á noite
Nos uivos da tormenta
Encontrou o teu leito
De prazer carmesim;
E seu escuro amor secreto
À tua vida põe fim.
O poema de William Blake, The Sick Rose (1794) utiliza uma metáfora muito simples para falar da perda da inocência e o enfrentamento da verdade; uma rosa é maculada por uma minhoca. Não existem culpas e culpados para Blake. Sua preocupação maior é a urgência do sofrimento e como encarar as ruínas espirituais. O próprio poeta revelaria seu contato com um anjo na infância o que marcou sua vida profundamente. Paulo von Poser, imerso no universo de Blake, criou para este projeto um trabalho inédito que amplifica sua prática para os contornos dos dias atuais.
Von Poser apresenta uma caixa, a qual guardará registros do artista durante o isolamento. Como uma espécie de relicário, Paulo manterá ali seus tesouros, pequenos fragmentos de vida repletos de significados. A rosa, símbolo constante na obra do artista, protegerá esses íntimos pertences enquanto o tempo cuidará de os corromper, como a própria fábula de Blake. Porém, Von Poser entende que ‘Se alguém ama uma flor da qual só exista um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando as contempla’. Exupéry. Wagner Nardy, curador.DESENHO, TEMPO E CIDADE
MATHEUS ALCÂNTARA SILVA CHAPARIM
2020
Habitar o espaço urbano, percorrer seus interstícios, descobrir outros territórios… Muitas experiências envolvem ativamente aqueles que têm no caminhar um modo de apreensão e exploração da cidade. No campo da arte, o percurso foi muito utilizado por grupos de vanguarda durante o século XX, especialmente na França.
Na década de 1920, os Dadaístas fizeram de suas excursões uma crítica às formas tradicionais de representação. Os Surrealistas, em seguida, buscaram as zonas inconscientes urbanas através das deambulações. Já nos anos 1950/60, os Situacionistas criaram a deriva, uma técnica de investigação da geografia afetiva (chamada psicogeografia), para desenvolver a ideia de “construção de situações”; um modo de contestar os efeitos da sociedade do espetáculo.
No Brasil, figuras importantes praticaram o caminhar, como João do Rio, Flávio de Carvalho e Hélio Oiticica, tendo sido influenciados por pensadores e artistas europeus daquela época. Esse histórico das “errâncias urbanas” é muito bem apresentado por Paola Berenstein Jacques na obra Elogio aos Errantes (Salvador: EDUFBA, 2012).
Recentemente o caminhar também foi explorado por muitos outros artistas. Em 1995, o grupo Stalker realizou uma volta inteira nas zonas abandonadas de Roma, na Itália. Um de seus membros, o arquiteto e professor Francesco Careri, escreveu o livro Walkscapes – o caminhar como prática estética (São Paulo: Editora G. Gili, 2013), no qual narra um pouco do que foi essa experiência. Paulo von Poser leu Walkscapes e encontrou em suas páginas o ímpeto para realizar a sua própria leitura “errática” de São Paulo. Fazendo referência à metáfora náutica da deriva situacionista, o artista navegou por fotos e textos históricos, por projetos arquitetônicos futuros e nas ruas atuais da cidade – tempos distintos que dialogam nas linhas de seus desenhos. As brisas de outrora também surgem na interação com o público, que atualiza o trabalho com suas memórias. Deixando-se levar pelos encontros e afetos desse grande arquipélago que é a metrópole paulista, a mostra “à deriva_sp” parece repercutir um desejo latente de von Poser de se perder nos fenômenos da cidade para assim (re)aprumar seu caminho como artista.
Matheus Alcântara Silva Chaparim
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNESP
A DERIVA ENQUANTO EXPERIÊNCIA DE LIBERDADE
IAN DUARTE
2019
São Paulo foi desenhada por incontáveis artistas desde sua fundação. De Frei Galvão a Vallandro Keating, o fascínio pela cidade é inegável e aparece em trabalhos diversos, precioso registro de sua história e importante ferramenta de reflexão sobre a paisagem urbana. Paulo von Poser não só desenha a cidade: também faz dela seu ateliê.
Na presente exposição, o artista nos conduz a lugares fundamentais para a compreensão da evolução urbana de São Paulo. No encontro de seus desenhos com as fotografias do acervo historico municipal, somos confrontados com presente e passado, situação que nunca deixa de nos espantar dadas as transformações que tornam a cidade irreconhecível de geração para geração.
Para tanto, o artista lança mão de um conceito caro a sua pesquisa: a deriva. Procedimento psicogeográfico proposto pelo Movimento Situacionista nos anos 60, a deriva tinha como objetivo estudar os efeitos do ambiente urbano sobre o estado psíquico e emocional das pessoas. No registro de seus percursos, Paulo deixa-se conduzir pela própria urbanidade, estratégia proposta pelos situacionistas a fim de superar a arte enquanto atividade especializada, experiência que só se realizaria em toda a sua potência a partir da vivência integral do meio urbano.
Metrópole de múltiplas identidades é certo que nunca haverá uma São Paulo definitiva, dada sua absoluta capacidade de se reinventar. Neste ambiente em que as referências espaciais estão em constante transformação, a percepção da cidade passa certamente pelo campo da experiência, expressa com maestria por seu desenho vivo e atento. Paulo von Poser nos convida assim a viver a cidade a partir da experiência mais radical e libertadora: aquela que está ao alcance de nossos pés.
Ian Duarte
Arquiteto e Galerista – Verve Galeria
DESVENDAR A CIDADE PELO DESENHO
MARCOS CARTUM
2019
É pouco dizer que o Museu da Cidade de São Paulo recebe a exposição “À Deriva São Paulo von Poser”. Trata-se de algo muito maior. Os trabalhos apresentados estabelecem com o Museu várias camadas de diálogo e de intenção. Em primeiro lugar, porque o ponto de partida do artista baseou-se em uma seleção de fotografias históricas do centro da cidade – pertencentes ao acervo – para servir de referência em sua deriva no percurso entre a Praça João Mendes e o Largo de São Bento. Esses lugares desaparecidos de nossa memória urbana são retratados no presente por Paulo von Poser, revelando a transformação e o esquecimento do passado; tendo o próprio Solar da Marquesa de Santos como personagem e ponto de chegada da trilha mapeada. Além disso, esse diálogo se dá pela forte convergência do trabalho com a diretriz fundamental do Museu da Cidade de possibilitar percepção e reflexão sobre São Paulo.
As reproduções das imagens de tempos distantes funcionam aqui como aberturas para resgatar – pelo desenho – paisagens que foram apagadas, tanto por causa do desaparecimento de antigas construções, quanto pela poeira e fuligem que hoje as cobrem.
Dessa forma, pode-se também dizer que os trabalhos expostos contêm uma intensa dimensão educativa que estimula a apreensão e a consciência sobre a cidade e o seu crescimento alienante. A rota/deriva de von Poser constrói narrativas que nos desafiam a rever e a reencontrar a cidade escondida: propõe uma outra relação com o espaço urbano, que deixamos de perceber em nosso cotidiano.
Ao redesenhar o percurso composto pelos pontos escolhidos, somos, enfim, convidados a seguir esse deslocamento e a reaprender a olhar para São Paulo, a desvendá-la para além do que está na realidade empírica ou do que nos mostram a maior parte dos mapas, os livros, as pinturas e as fotografias sobre a história paulistana.
Marcos Cartum
Diretor do Museu da Cidade de São Paulo – Departamento dos Museus Municipais
SÃO PAULO | VON POSER
IAN DUARTE
2018
São Paulo já foi desenhada por incontáveis artistas desde sua fundação – de Frei Galvão a Vallandro Keating, passando por Jean-Baptiste Debret –, o fascínio pela cidade é inegável e aparece em trabalhos diversos, precioso registro de sua evolução e importante ferramenta de reflexão sobre a paisagem urbana. Paulistano, Paulo von Poser não só desenha a cidade, mas faz dela o seu atelier.
Ao nos conduzir por uma São Paulo muito pessoal, o artista apresenta um conceito caro à sua pesquisa: a deriva, procedimento psicogeográfico proposto pelo Movimento Situacionista com o objetivo de estudar os efeitos do ambiente urbano sobre nosso estado psíquico e emocional. No registro de seus percursos, se deixa conduzir pela própria urbanidade – ponto de contato com os situacionistas, que propunham a abolição da arte enquanto atividade especializada: sua superação viria pela transformação e vivência integral do meio urbano.
Em contraponto a uma São Paulo que pede pressa, e que todos conhecemos, surpreende-nos a rede de descanso: o “tempo livre”, reflexão sobre o acolhimento possível e necessário que a cidade também pode proporcionar. Referência poética à instalação “Riposatevi”, – projeto de Lúcio Costa para a Trienal de Milão de 1964 – e ao conceito de um lugar não específico, elemento simbólico da própria deriva ao propor outro tempo de observação da cidade, plataforma máxima para o exercício da liberdade proposto pelos situacionistas.
Na São Paulo de von Poser, ao lado de grandes panoramas e lugares conhecidos, convivem pequenos oratórios, representação da invisível coexistência do tempo sagrado e profano na dinâmica da cidade, junto a estojos com referências a seus mestres, essenciais em sua formação como artista. A exposição toma ainda uma dimensão urbana literal, na medida em que propõe atividades pela cidade ao longo de seus dois meses de duração – “tempo livre” percorrerá espaços importantes para o artista, e será completada em aulas de desenho ao público.
Metrópole de múltiplas identidades é certo que nunca haverá uma São Paulo definitiva, dada sua absoluta capacidade de se reinventar. Neste ambiente em que as referências espaciais estão em constante transformação, a percepção da cidade passa certamente pelo campo da experiência, expressa com maestria no desenho vivo e atento de Paulo von Poser.
Ian Duarte
Arquiteto e Galerista – Verve Galeria
ÓRBITAS - FLORIAN RAISS E PAULO VON POSER
PAULO KASSAB
2013
Ao olhar imediato, os trabalhos de Florian Raiss e Paulo von Poser podem revelar-se opostos. As limitações e os conflitos do homem contra o amor imaculado das rosas ou as formas bem definidas da cidade. No entanto, após uma observação mais profunda, nota-se uma intensa complementaridade assinalada pela pesquisa do ser humano em suas subversões pelas representações que retratam seus anseios. Na resistência racional do ser aos impulsos animais, a humanidade se expressa através dos seus símbolos, suas metáforas.
Na exposição Órbitas, os artistas dialogam em uma superfície sem começo nem fim, intensificando a percepção da imagem no espaço e permitindo a análise por parte do espectador.
Condição imperativa para a afirmação da órbita, a influência de um astro, ou objeto, sobre o outro foi empregada de modo sutil. Florian e Paulo pensaram em 17 esferas pois, pela forma, elas fazem com que o observador nunca consiga ver dois lados simultaneamente, ou seja, apenas uma parte da verdade é revelada, enquanto a outra se forma pela imaginação daquele que vê a obra e recria de acordo com sua realidade.
Assim voltamos aos assuntos estudados pelos dois artistas durante mais de 30 anos: o homem como autor e revelador de sua própria condição e do seu entorno. A imaginação não como um estado, mas como a própria existência humana, como definiu William Blake.
PAULO KASSAB
Galerista – Galeria Lume
PAULO VON POSER - O NAMORADO DA CIDADE
CELSO FIORAVANTE
2011
A felicidade anda a pé
Na Praça Antônio Prado
São 10 horas azuis
O café vai alto como a manhã de arranha-céus
(Poema “Aperitivo”, de Oswald de Andrade)
O café vai alto como a manhã de arranha-céus
(Poema “Aperitivo”, de Oswald de Andrade)A distância realmente não é aliada do amor, mas essa afirmação perde um pouco de sua força quando o exemplo dado é a relação que existe entre Paulo von Poser e o centro da cidade de São Paulo.
Nascido e criado
Ao chegar lá, qual um super-herói apaixonado, seu passo seguinte é escalar seus edifícios, alcançar suas sacadas, chegar ao topo e, enfim, retratar o seu amor em todos os seus ângulos. São 360° de admiração.
Dali do alto, Paulo vê mais longe, consegue admirar o corpo inteiro da cidade, sentir sua pulsação, observar office-boys e executivos anônimos, que passam apressados e que pouco reparam em sua beleza. A metrópole volta a ser província.
Do alto, Paulo percebe que sua amada envelhece com dignidade e a beija furtivamente. Mas são encontros fugazes, que duram a luz do Sol e o expediente das repartições. Paulo precisa descer.
Daqueles momentos restarão desenhos, nos quais Paulo declara sua paixão ao Vale do Anhangabaú, ao Teatro Municipal, ao Viaduto do Chá, ao Largo São Francisco, à Praça do Patriarca, à Rua 15 de Novembro, ao edifício Copan…
Amor de infânciaO itinerário amoroso de Paulo von Poser pelo centro da cidade começou ainda na infância, nos anos 60, e pelas mãos dos pais, dona Zélia e seu Fernando, com quem vinha para as compras aos sábados. “Morávamos
Mas para demonstrar o seu amor pela cidade Paulo foi ainda mais alto e voou pelos céus a bordo do dirigível Ventura, que até recentemente, antes da Lei Cidade Limpa, fazia publicidade da Good Year pelos céus da cidade. Dali do alto, Paulo e a fotógrafa Cristina Guerra registraram a mais ampla de todas as paisagens urbanas: a cidade de São Paulo.
São essas suas memórias e as memórias de outros que Paulo atualiza em seus desenhos e fotografias. Com seus traços expressivos, rápidos, afoitos e imprecisos, o artista refaz suas lembranças, desenha uma iconografia poética da cidade e tenta abrir os olhos dos transeuntes para a dura beleza de suas esquinas.
Amor de juventudeA paixão pelo desenho nasceu em 1978, quando Paulo von Poser ingressou na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). “Foi na FAU que o gesto de desenhar apareceu… Foi na FAU que aprendi a ter amigos”, afirma o artista, que ali se formou arquiteto, em 1982.
Entre seus mestres desses tempos primeiros, Paulo cita com carinho Flávio Motta, que não chegou a ser seu professor formal, “mas deu aulas de mestre e shows de estética que jamais esquecerei”. Relembra ainda Renina Katz e Odiléa Toscano, no desenho e na gravura, e Ana Maria Belluzzo, por lhe fazer ver as relações entre a arte e a vida urbana.
Outra lembrança marcante foi seu encontro com o professor, mestre e colega Flávio Império, pois foi com o artista plástico e cenógrafo que ele começou a lecionar.
Assim como seu amor pela cidade, o amor de Paulo pelo desenho não ficou guardado, mas sempre foi dividido com dezenas, centenas, milhares de estudantes que encontrou em instituições como o Centro Cultural São Paulo (na oficina de artes plásticas), o setor educativo da Bienal de São Paulo (18ª e 19ª edição, em 1985 e 1987, curadas por Sheila Leirner), a própria FAU-USP (quando fazia mestrado), a Faculdade de Arquitetura da Belas Artes (então localizada no prédio da Pinacoteca do Estado), na FAAP (em um curso de projeto gráfico), na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos (sua cidade por adoção, na qual leciona há 25 anos e onde pintou os tetos do foyer e da platéia do Theatro Guarany) e, mais recentemente, na Escola da Cidade e na Casa do Saber.
Amor maduroMas eis que, aos 50 anos, com o coração já marcado por tantos amores idos e vindos, pretéritos e futuros, eis que chega uma nova descoberta, um novo presente, um novo resgate: a gravura. Ela mesma, que já havia flertado com o artista, retorna revigorada, repleta de novas perspectivas e entusiasmo.
Incentivado e instruído pelo gravador Claudio Vasques, de Santos, mergulha nas chapas de cobre e nelas revela novas imagens de suas velhas conhecidas, a cidade e as rosas, a partir de técnicas e materiais variados, como ponta seca, água-forte, mezza-tinta, carborundum…
“Vou gravar com minha sobrinha Vic um vídeo sobre o meu pequeno ‘roteiro do cobre’. Comprei duas chapas na Casa da Bóia e fui até a Praça Antonio Prado, onde gravei com ponta seca a árvore da praça, o grande edifício e depois o pico do Jaraguá… Também irei de ônibus para Santos e vou continuar gravando na mesma chapa a Serra do Mar e depois, no vídeo, os processos do metal no ácido, na tinta e na prensa… Depois a chapa volta com a cópia no papel… Quero fazer um pequeno documentário que comente o que a gravura no metal me acrescentou na percepção da cidade”, diz Paulo sobre seus novos caminhos na gravura.
Amor eternoA cidade de São Paulo, o desenho e a gravura dividem o espaço no coração e no imaginário de Paulo von Poser com outra paixão, igualmente duradoura: as rosas. Para elas, Paulo já fez milhares de desenhos, fotografias e gravuras e a elas dedicou algumas exposições individuais.
As primeiras lembranças da flor remetem à infância com a avó materna, Edith, que pintava rosas, mas seu interesse pela flor manifestou-se bem mais tarde. “A primeira rosa que desenhei foi em 84, aos 24 anos.”
Paulo começou a desenhar rosas porque morava sozinho
De lá para cá, Paulo as reproduziu com lápis, acrílica, giz, pastel seco, nanquim, madeira recortada, ferro forjado, cerâmica, bronze e cobre e as fixou em papel, telas, tecidos, louças, panos de prato, camisetas, sandálias Havaianas e embalagens de sabonete.
“Mas tenho que lembrar uma verdade: de repente surgiram juntas duas coisas: a rosa e a cidade de São Paulo. Uma união de opostos aí contida, o cimento e a pétala, o concreto e a poesia. Mas o que vem mesmo à cabeça, sinceramente, é o dia em que nasci. Foi esquisito. Fui o primeiro neto paulista de uma família gaúcha. Acho que esse é o nascimento da rosa
Ao olhar imediato, os trabalhos de Florian Raiss e Paulo von Poser podem revelar-se opostos. As limitações e os conflitos do homem contra o amor imaculado das rosas ou as formas bem definidas da cidade. No entanto, após uma observação mais profunda, nota-se uma intensa complementaridade assinalada pela pesquisa do ser humano em suas subversões pelas representações que retratam seus anseios. Na resistência racional do ser aos impulsos animais, a humanidade se expressa através dos seus símbolos, suas metáforas.
Na exposição Órbitas, os artistas dialogam em uma superfície sem começo nem fim, intensificando a percepção da imagem no espaço e permitindo a análise por parte do espectador.
Condição imperativa para a afirmação da órbita, a influência de um astro, ou objeto, sobre o outro foi empregada de modo sutil. Florian e Paulo pensaram em 17 esferas pois, pela forma, elas fazem com que o observador nunca consiga ver dois lados simultaneamente, ou seja, apenas uma parte da verdade é revelada, enquanto a outra se forma pela imaginação daquele que vê a obra e recria de acordo com sua realidade.
Assim voltamos aos assuntos estudados pelos dois artistas durante mais de 30 anos: o homem como autor e revelador de sua própria condição e do seu entorno. A imaginação não como um estado, mas como a própria existência humana, como definiu William Blake.
CELSO FIORAVANTE
Jornalista e Crítico de arte
O CORPO E O TRAÇO, GÊNERO E HOMOEROTISMO NA ESTÉTICA DE PAULO VON POSER.
MARCIO ZAMBONI
2009
Num país machista como o Brasil, este jovem gaúcho e talentosíssimo artista tem a coragem, sublime, de fazer o elogio do corpo masculino. Artista do renascimento, para ele o Homem é o centro de tudo. Admiro isso e participo dessa ideia, expressa até mesmo no Evangelho que Cristo anunciou. O corpo masculino é uma usina de força e beleza e a hipocrisia moral de muitos tenta negar. Não Adianta!
Foi dessa forma que o crítico de arte Olney Krüse resumiu, em uma matéria publicada na extinta Revista Interview, a proposta da exposição “O modelo e seu pensamento”, do artista paulistano Paulo von Poser, exibida na Galeria Sadalla (localizada então na Bela Vista, região central da cidade de São Paulo) em 1987.
A exposição que consistia em uma extensa série de nus masculinos produzidos com técnicas diversas foi fruto de um relacionamento não simplesmente profissional, mas também erótico-afetivo do artista com um único modelo, tema privilegiado da série e síntese de todos os outros, nas palavras de Carlos Von Schimidt para revista Artes.
É interessante notar como a exposição, mesmo podendo claramente ser lida como a afirmação de uma relação homossexual e de um desejo homoerótico, não foi em nenhum momento entendida como homoerótica pela crítica, pela dona da galeria, pela curadoria, pela imprensa ou pelo mercado, nem reconhecida como tal pelos militantes do emergente movimento pelos direitos dos homossexuais.
A ausência da associação entre nu masculino e homossexualidade no contexto desta exposição nos chama atenção para duas questões.
Em primeiro lugar para a historicidade da homossexualidade como chave para compreensão de fenômenos culturais ou mais especificamente, nesse caso, manifestações artísticas. Vale lembrar nesse sentido a estreita correspondência entre o desenvolvimento de um mercado especializado no “público GLS” e o reconhecimento de certos bens e práticos como tipicamente gays. A visibilidade da “causa LGBT” em diálogo com a atuação da militância parece ser significativa também para a amplificação do alcance explicativo da (homos)sexualidade.
Em segundo lugar (mas não em segundo plano) me parece particularmente interessante a possibilidade de que a expressão artística de um desejo homoerótico possa se manifestar sem ser associada a homossexualidade, sem se dirigir a um público homossexual especializado ou se afirmar explicitamente como homoerótica. É necessário ou desejável a sexualização da produção artística? A arte precisa seguir os passos da segmentação do mercado ou da política de sujeitos de direitos?
È importante nesse sentido olhar para certos elementos da estética desenvolvida por Paulo von Poser em o “Modelo e seu pensamento” que parecem ir na contramão de uma sexualização explícita da expressão artística. Vale notar que a formulação do nu masculino nos termos de uma modalidade clássica das artes plásticas (o desenho de modelo nu) já de início desloca o lugar do corpo despido na série. Há também no traço, na postura das figuras e na composição da exposição uma viável distância das formas convencionais de expressão do homoerotismo nas artes visuais e na mídia, particularmente na pornografia. Não se trata apenas do corpo, mas do pensamento do corpo e sobre o corpo.
A negação da (homos)sexualização explícita da expressão artística não significa um retorno do homoerotismo à esfera do “não dito” assim como a sexualização especializada da arte não parece significar a libertação da (homos)sexualidade. Trata-se, ao contrário, da busca de uma linguagem capaz de expressar a peculiaridade de um sentimento sem se limitar à afirmação de sua particularidade. E essa linguagem foi, no caso de “O modelo e seu pensamento” a do elogio ao corpo masculino.
Este pôster se insere no contexto da pesquisa “Homossexualidades em camadas altas da cidade de São Paulo”, que venho desenvolvendo desde junho de 2009 sob a orientação de Laura Moutinho e com o financiamento da FAPESP.
MARCIO ZAMBONI
Bibliografia
FRANÇA, Isadora Lins. “Sobre ‘guetos’ e ‘rótulos’: tensões no mercado GLS na cidade de São Paulo.” Cad. Pagu [online]. 2007, n.28.
GARCIA, Wilton. Homoerotismo & imagem no Brasil. 1. Ed. São Paulo: Nojosa edições, 2004.
PAULO VON POSER, UM MESTRE DO GUARANY
FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
2008
O Guarany, inaugurado em 7 de Dezembro de 1882, era dum aconchego civilizatório raro numa cidade alagadiça e com tudo por se fazer, à custa do suor escravo e da vinda dos imigrantes que reporiam a labuta dos cativos libertos.
Benedicto Calixto ganhou notoriedade com seus afrescos e suntuosa decoração. Desde a construção até seu ressurgimento das cinzas, o Guarany teve como sustentáculo a sociedade civil como mantenedora e impeditiva de sua extinção. Reerguido, senti imensa felicidade em saber que a História repunha seu traço em nosso destino; o trabalho de Calixto agora estava nas mãos preciosas dum dos mais originais artistas plásticos brasileiros: Paulo von Poser, arquiteto sensibilíssimo, restaurador meticuloso e mais característico pintor dum país chamado Sampa. Von Poser refaz em nanquim grandes telas ou desenhos meticulosos da metrópole o percurso de Rugendas ou Franz Post transmoderno.
“Não há nada mais difícil para um pintor do que pintar uma rosa, pois antes ele precisa esquecer de todas as rosas que foram plantadas”, diz Matisse. Poderiam estar no cultivador de rosas cósmicas: Von Poser.
No Guarany, sem ser hiperbólico, suas noites passadas por sobre andaimes são dignas dum Michelangelo dos trópicos. Presente em bienais, cenógrafo, agitador multimídia, é capaz de esquadrinhar pictoricamente a metrópole a partir dum dirigível pelos ares da Paulicéia com a mesma pericia milimetricamente encantada com que desabrocha rosas sinestésicas: mais do que o pintor das rosas e de Sampa, é explorador da alma através de rara perspectiva, têmpera e “rumor” urbano das cores.
Na sua obra, Paulo von Poser faz a colheita das evanescências, semeia a infinitude a partir da fugacidade: é o pintor dum tempo dilacerado em pétalas, não acumulador de destroços: um criador profundo do belo como operário “de estruturas visceralmente regulares” (Levi-Strauss).
Santistas! Quando vislumbrarem a abóboda e as paredes dum detalhismo microscópico sob a égide de Carlos Gomes e José de Alencar, tenham a dimensão do esforço empreendido por esse artesão da poesia em concretude: a arte imorredoura talhada cromaticamente na Praça dos Andradas nos fará dizer: um gênio passou por aqui…Paulo von Poser foi presente do Brasil para Santos.
Calixto deve estar dizendo amém.
FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
Crítico literário
ARTISTA DAS ROSAS E DA MULTIDÃO: VON POSER
FLÁVIO AMOREIRA
2008
É essa Sampa de Von Poser: ângulo preciosíssimo, fugaz mirada dum dirigível ou suíte impessoal dum hotel de luxo. A causa pelo efeito, o conteúdo pelo continente (enfatizo) o objeto disposto pelo material de que é feito:
o instantâneo retido é metáfora de nosso desnorteio.
Impossível não citar Walter Benjamim sobre a obra de arte: “(…) a natureza de que fala à câmara é completamente diversa da que fala aos olhos , mormente porque ela substitui o espaço onde o homem age conscientemente por um outro onde sua ação é inconsciente” .
Imerso / emerso, cinético: faz-me lembrar todos ‘perfis’ que retenho de Sampa; o último impacto foi nesga do Copan a partir dum terraço do “Centro Maria Antônia”: se a grande arte nacional é experimentada em Sampa, Von Poser é um dos seus mais intuitivos desbravadores. Muito além do pintor das rosas! Agora é um Benedito Calixto reconstruindo o “Teatro Guarany” de Santos com quase 150 anos de carga anímica meticulosamente retocada por esse arquiteto que leciona nas ruas onde a concretude poética é noite/dia edificada e transmutada.
Penso em Paulo quando leio “Cidades Invisíveis” de Ítalo Calvino e numa frase de Matisse que pressentia esse paulistano universal doce feito a densidade de sua obra: “Não há nada mais difícil para um pintor do que pintar uma rosa, pois antes disso ele precisa esquecer-ser de todas as rosas que já foram pintadas.” Não existe Arte, existem artistas: delineadores de tessituras que ruminam a persistência do desvio e a tenacidade dalguma percepção durável: artista é encantador de evanescências: uma rosa já não é uma rosa desde que Gertrude Stein dito ou Paulo Von Poser magicamente mimetizado. Rosa e caos urbano ainda retêm cosmogonias e a gênese do sujeito enquanto testemunha absurdamente disponível ao absoluto divino:desconheço algo mais frágil que monumentalidade de Sampa: imensidão que se engalfinha pelos cinzentos escaninhos dalgum propósito cotidiano e seu descomeço.
Em Sampa nada finda feito o pensado no recomeço. Cidade se descabaçando feito pétala.
Grande Paulo Von Poser!
FLÁVIO AMOREIRA
A ROSA E A FANTASIA DE VON POSER
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
2003
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
A ROSA DE SHAKESPEARE E A DE DANTE
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
2003
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
OS HORIZONTES DE PAULO VON POSER
ANTÔNIO GONÇALVES FILHO
2001
Como Morandi, von Poser nega-se a recorrer ao “conhecido” em sua experiência de ver o mundo. Em outras palavras, ele não tem o olhar ingênuo dos pintores viajantes. Procura na paisagem algo que não está lá. è capaz de alterar deliberadamente a paisagem do Arpoador para construir uma nova natureza, regenerar o que vê.
Não por outra razão, von Poser ficou conhecido por pintar e recortar rosas gigantescas que, como se sabe, constituem signos de regeneração ambiental. Nesta exposição, o passar a paisagem degradada através de suas pétalas. Von Poser é um otimista: está certo que a rosa alquímica está presente simbolicamente nos centros urbanos. São Paulo vai nascer a partir de seu marco zero, garante.
Professor de arquitetura desde 1985, o artista dá aulas na rua. desenhos de observação. Como a verticalizada São Paulo não têm horizonte, foi a mais prejudicada nesta exposição, que reúne desenhos de diversos períodos, sendo o mais antigo uma paisagem de Brasília, feita em 1985. Von Poser levou seus materiais para o Jardim Botânico carioca, para o Arpoador, para Ilha Bela e Bahia. Em todos esses lugares teve a companhia de populares, que comentavam e criticavam seus desenhos. A cor era chocante? “A cor não está na paisagem, mas em quem a vê”, observou. Nem Goethe ousou ir tão longe em sua teoria das cores.
Von Poser tentou experiências monocromáticas com a natureza, o que chocou outros observadores. Essa ausência de cor nos desenhos em carvão e grafite parece escandalosa para um país tropical. Mas a sua é uma paisagem “cultural”, captada por um olho treinado, capaz de juntar artificialmente o Redentor com o Morro dos Dois Irmãos, como numa paisagem circular chinesa ou numa montagem de Polaroid feita pelo inglês David Hockney (uma influência admitida de von Poser). A chave para essa horizontalidade é fenomenológica. Ele assume o “anacronismo” da paisagem como uma tentativa de entender o mundo de outra forma, comparando fotografia e desenho, observação natural e entendimento intelectual das formas da natureza.
“É preciso recuperar o desenho, pois ele tem um efeito no cérebro ainda não totalmente considerado”, diz von Poser, justificando a representação figurativa da paisagem como uma tentativa de buscar “civilidade” nos lugares públicos pelos quais passa com sua arte. É comparando o que se vê e o que está sendo reproduzido no papel que os outros cidadãos acrescentam algo à visão do artista. E refletem sobre o estar no muno e sua relação com o ambiente. Esta é a grande questão desta mostra.
ANTÔNIO GONÇALVES FILHO
O ESPINHO DA ROSA
RADHA ABBRAMO
1999
Rosa, roseiral, rosáceas formam o atual vocabulário plástico de von Poser, jovem artista que há alguns anos, encanta-se por elas, de maneira muito especial, elevando-as ao posto de fonte inspiradora do seu trabalho.
Tocado, profundamente pela imagem do Rio de Janeiro, o artista chega a chamar de rosas, as imensas pedras que brotam dessa “Cidade Jardim”, como diz ele, terminando por capitular diante do Jardim Botânico, um roseiral público.
Ele persegue a rota da natureza, descortinando as obras: “Rosas na Mata” grande tela de pintura, “O Redentor do Roseiral”, aquarela, “Lua Cheia na Lagoa”, desenho/nanquim, “O Pão de Açúcar”, desenho de bico de pena, transmutando todas essas vistas em cores, traços, objetos decorativos, (pratos) e mais, faz das rosas, esculturas.
A sua moda von Poser torna-se um artista viajante, diferente de Rugendas, Florense e Taunay e tantos outros, interessados na nas expedições científicas. Von Poser, ao contrário de seus antecessores, está em plena expedição poética da rosa. Coloca-a, única e altaneira na paisagem “Rosas na Mata” ou, molda-as em vasos cerâmicos e as modula recortadas, desmembradas, rearticuláveis, coloridas, transformadas em esculturas móveis, donas de múltiplas performances.
Até aqui tratamos da rosa, bela flor que reúne sete pétalas entranhadas umas nas outras criando um corpo doce, aveludado e misterioso. Ela tem uma história comum, nasce em qualquer terra e brota espinhos para machucar os distraídos, principalmente, os que fazem pouco do seu papel daninho e traiçoeiro.
Viajando sobre a rosa que têm presença muito forte, embora de aparência delicada, von Poser apossa-se das formas dos seus espinhos que partem dos caules, amplia-os, dando-lhes o volume e colorido diversificado, assemelhando-os aos unicórnios, sem ponta, surdos, muitos deles tendo o desenho de uma rosa, pintado no seu interior.
O espinho exorcizado adquire uma nova forma a suas pontas afunilam-se em direções diferentes e divergentes. Dispostos, conjuntamente, em uma mesma superfície, os unicórnios montam um painel construtivo de grande vibração cromática adquirindo suave movimentação quando o olhar os percorre com velocidade moderada.
Da expedição poética sobre a rosa resultou, em resumo, que von Poser, ao exorcizar os espinhos, transformando-os em unicórnios, acerca-se, agora ele próprio, de nova vertente para sua criação artística, abrindo-lhe um vasto campo de pesquisa formal, orgânica e que parte do desenvolvimento das formas da natureza.
Da nova fase da produção artística de von Poser, até se poderia pensar que -“se a rosa morre, vivam os unicórnios”- frutos da expedição poética do artista, assenhorando-se das formas construtivas e sob performance visual da Optical-Art.
Afinal, os espinhos das rosas fazem parte delas.
RADHA ABBRAMO
São Paulo, 6 de Outubro de 1999
CELSO FIORAVANTE 1996 RENINA KATZ 1989 Paulo von Poser, com sua maestria gráfica e nutrido de um empenho apaixonado, procurou perceber e compreender o design e a poética da rosa, evitando a dissecação em favor da descoberta e da revelação. Paulo confirma que não existem temas banais desde que se consiga extrair deles uma nova visão de mundo. CARLOS VON SCHMIDT 1986 As paisagens urbanas, as impressões da cidade com suas multidões, as figuras amigas (retratos?) de Paulo von Poser, merecem um poema de Flávio Império: “Paulo, quando andou a pé, pela primeira vez, morando fora da represa…/descobriu,/ que o mundo da cidade-gigante/ tem mil caras/ quase nenhum rosto/ essa foi sua surpresa expressa./ Sem nenhuma calma,/ às pressas./ Como quem passa e deixa uma profunda impressão./ O resto ou se esquece ou nem se vê./ As gentes se perdem nas multidões/ Mas,/ alguns a gente acha,/ e perde em seguida./ O passo não é o compasso/ do coração./ O passo/ é/ compasso/ da multidão./ O coração agitado,/ a mente quente/ já sem estômago e sem fome/ engole,/ não come./ Mergulha na solidão./ Desse clima emerge o traço./ Traço forte e definitivo ou quase./ Tudo pronto ao ser feito./ pouco refeito./”. O “traço forte e definitivo ou quase” de Paulo von Poser, acercou-se ligeiramente, certa vez, de Toulouse-Lautrec, demorou-se na influência de David Hockney, mas, nestes poucos anos de atividade do artista, adquiriu marca pessoal e fluiu, entre acrílica, nanquim, colagens. É uma pesquisa cheia de descobertas. A forma e a cor cada vez mais autônomas, a serviço da expressão artística. E o traço, a grafia, sempre a determinar espaços, a compor universos. De sua primeira participação em coletivas (Expo FAU 1979) e da primeira individual (Desenhos – Pinacoteca do Estado, em 1982) a “O Modelo e seu Pensamento”, aberta em fins de Setembro na Galeria Sadala, Paulo von Poser caminhou ascensionalmente. Sua aguda observação conduz à emoção ou à crítica. Por exemplo, a partir da disciplina AUP-821 – Projeto/Cor/Imagem, do curso de Pós-Graduação da FAU-USP, passou a “uma leitura visual da cor na paisagem das cidades do interior pelo desenho”. Ia a Piracicaba, aos finais de semana, em 83, e finalmente mostrou no hall do Teatro Municipal daquela cidade “Algumas Cores de Piracicaba”. O texto que escreveu para a mostra revela a qualidade de sua observação: “… ao rever a cidade, além do incrível engenho cor de tijolo, e dos fins de tarde maravilha, outras cores, novas cores faziam parte da paisagem piracicabana. Sobre o azul, vários prédios brancos e altos, surgiam do mar de telhados vermelhos, do antigo hotel só restou um pequeno muro rosa (hoje verde), uma velha árvore, e a enorme parede cinza do edifício ao lado”. Mas as cores que os piracicabanos “deixaram de ver”, Paulo revelou em seus desenhos. Morava, antes, próximo à Represa de Guarapiranga, recanto de São Paulo longe da feroz cidade. Depois, mudou-se para um ponto agitado, entre o Itaim e os Jardins. O convívio com as multidões passou a ser diário. As reflexões críticas acentuaram-se. Em suas figuras, mesmo no close de um rosto, os traços firmes parecem segmentos da multidão cristalizados no indivíduo. Na cidade-gigante com mil caras, como disse Flávio Império, Paulo procura revelar um rosto. E nele, o sarcasmo, ou a solidão, ou a expectativa. O desenho começou a dominá-lo quando cursava arquitetura na FAU-USP. Em determinado momento, decidiu desenhar com modelo, a bico de pena. Um trabalho rigoroso, com o qual buscava conquistar um registro quase acadêmico de figura observada. De Maio de 85 a Maio de 86, trabalhou um só modelo, síntese de todos os outros. Da apuração desse trabalho resultaram os recortes imensos vistos na mostra da Sadala. A chave do seu trabalho está na relação arte/vida – e isso, diz ele, descobriu com David Hockney. Uma relação que não fica no nível contemplativo. Além de artista, é professor de desenho na Escola de Belas Artes, na FAAP e na Faculdade de Arquitetura de Santos. Esse contato com o aprendizado e o fazer artístico, se prolonga em trabalhos como o que realizou com outros artistas, durante dois anos, no Centro Cultural de São Paulo – um ateliê experimental para onde convergiam pessoas das mais diferentes camadas sociais e intelectuais. Prolongou se, também, no projeto desenvolvido na 18ª Bienal, trabalhando com cerca de cinco mil crianças e adolescentes. Tudo isso compõe a relação arte/vida. Perguntando sobre a situação do artista jovem, Paulo diz que mais problemática é a situação do jovem professor de arte. O ensino não tem, normalmente, significado nem para o aluno nem para o professor. È necessário criar novos métodos e novos estímulos. Por outro lado, a vantagem de dar aulas é alcançar certa independência em relação ao mercado – apesar da insuficiente remuneração do professor. Este capítulo, no entanto, não está decidido para ele. Pois, apesar do difícil acesso, não tem muito que se queixar do mercado: sua obra é bem aceita pelo público, vende bem, embora na opinião de muitos marchands esse tipo de trabalho seja invendável. Carlos von Schmidt FLÁVIO IMPÉRIO 1985 O PAULO,VON POSER COLOCA ROSAS NO CAMINHO
Levando em conta a máxima absoluta de Stein, que diz que “uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”, Paulo fez crescer esse seu jardim, em acrílico e nanquim.
São desenhos, telas, transparências, recortes em madeira e até vitrais e cerâmicas retratando a mais emblemática das flores: a rosa.
“Sempre fico surpreso com a carga simbólica da rosa, que pode significar o coração de Maria no catolicismo, ser o símbolo da regeneração na cultura muçulmana e também ser oferecida a Iemanjá, disse o artista e ilustrador da Folha.
A história da mostra:
Até o ano de 1988, as rosas apareciam esparsas no trabalho do artista. Naquele ano, Paulo realizou uma série de desenhos que serviu para o calendário do Museu de Arte Contemporânea.
No ano passado, porém, fez uma série de desenhos transparentes com bico de pena em papel pergaminho, que se tornaram o primeiro galho da roseira-exposição.
Apesar de o método de trabalho de uma exposição como “Mar de Rosas” ser basicamente a observação, Paulo se recusa a falar em reprodução. “O perigo de uma mostra assim é cair na estilização, quando eu bem sei que a rosa quer estar presente. existem muitas rosas da minha cabeça, que fiz vendo ou imaginando pessoas”, disse.
Paulo comprou suas rosas-modelos no Ceasa, às setas-feiras, fotografou-as, fez Xerox delas, dezenas, centenas… Paulo trabalhou muito no inverno, quando as rosas demoram mais para abrir.
Foi também desta minuciosa observação que se originaram as cerâmicas presentes na mostra, realizadas em parceria com Cecília Becker. Ao perceber a queda de uma pétala em seu repouso no chão, Paulo pensou nas cerâmicas, criadas a partir do próprio repouso de uma folha plana de argila sobre uma forma, sem necessitar da pressão de mãos e dedos. Apenas o repouso natural da lâmina de argila deu forma à cerâmica.
“Esta mostra exigiu muito minha disciplina de observação. Com ela, percebi o que significa realmente a contemplação da arte na minha vida”, disse. “durante esses oito anos, ficou claro que me interessava era estar com a rosa. E a sequência de desenhos (expostos à direita no Espaço Ox) me deixou claro que a beleza não está nas rosas, mas em sua forma.”
Detalhes:
Alguns detalhes merecem atenção à parte em “Mar de Rosas”. O primeiro são os convites. Confeccionados a partir de 200 desenhos originais e manipulados em uma máquina de Xerox colorido, transformaram em 3.000 convites, todos diferentes. Guarde o seu!
Também é interessante notar q harmonia que a exposição ganhou com a inclusão de vitrais e cerâmicas. Com eles, a mostra completou um ciclo que se confunde com o próprio ciclo vital da rosa.
Mais que os desenhos e pinturas, são as rosas-vitrais de Paulo que precisam de luz para existir e que só vivem através dela. No outro extremo, suas rosas-cerâmicas nasceram da terra e apenas graças a atração da Terra. Cerâmicas, desenhos e vitrais se completam, como as três partes de um ikebana.
Celso Fioravante
Jornalista e Crítico de arte
JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, CADERNO ILUSTRADA, 27 DE MAIO DE 1996.APRESENTAÇÃO DO CALENDÁRIO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Renina KatzPAULO VON POSER
Revista Arte – 1986O PAULO
quando andou a pé,
pela primeira vez,
morando fora da represa…
descobriu,
que o mundo da cidade-gigante
tem mil caras
quase nenhum rosto
essa foi sua surpresa expressa.
sem nenhuma calma,
às pressas.
como quem passa e deixa uma profunda impressão.
o resto ou se esquece ou nem se vê.
“as gentes se perdem nas multidões”
mas,
alguns a gente acha,
e perde em seguida.
o passo não é o compasso
do coração.
o passo
é
compasso
da multidão.
o coração agitado,
a mente quente
já sem estômago e sem fome,
engole
não come.
mergulha na solidão.
desse clima emerge o traço.
traço forte e definitivo ou quase.
tudo pronto a ser feito.
pouco refeito.
quase nada.
rápida, a mente age
e
a
mão.
…e o sono, enfim,
te vence pelo cansaço…
… amanhã, de novo, um novo,
desencontro.
ou mil.
sempre mesmo que tudo só aconteça no sutil
plano
da
mais
pura
imagem na ação.
engrenagem do estar
sendo e vivendo essas sensações
cada grafia é quase uma carta-bilhete-cartão.
um endereço secreto
nem dito.
e, tudo bem, fica o dito pelo nem sabido.
sonho acordado de cidadão a pé por Pinheiros, nas tardes calmas,
ruas agitadas, muita compra e venda, muita liquidação.
tempos de crise.
todos
são.